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Deus (ár. “Allah”)

Por: M. Yiossuf Adamgy

Em arábico, o nome “Allah” significa “O Único Deus Verdadeiro”, Aquele que criou os Céus e a Terra. Judeus e Cristãos que falam árabe referem-se igualmente a Deus pelo nome de “Allah”.

É normal que os muçulmanos falantes da língua portuguesa tenham uma ligação especial à palavra Allah, em relação à qual desenvolveram uma maior proximidade, visto que a invocam diariamente nas suas fórmulas de orações e récitas do Alcorão em língua árabe. Para nós, a palavra Allah possui uma eficácia emocional e espiritual directa que nenhuma outra palavra que designe Deus poderá substituir. Mas é raro que a palavra produza o mesmo efeito nos não-muçulmanos e não-árabes, e a verdade é que apenas um número muito reduzido desses indivíduos irá desenvolver uma sensibilidade à palavra equivalente à nossa, apenas por serem constantemente bombardeados com ela. Para alguns, apesar de se empenharem genuinamente na tentativa de manterem o espírito aberto, a utilização da palavra “Allah” continua a evocar uma longa série de preconceitos culturais profundamente enraizados, bem como outras associações negativas tanto no plano consciente como no inconsciente. Por outro lado, o recurso à palavra “Deus” fomenta uma resposta de associação imediata na maioria dos não-muçulmanos falantes de língua portuguesa, algo que seria praticamente impossível com a palavra “Allah”, mesmo depois de um período de muitos anos de exposição com uma conotação positiva. Ora, da mesma forma que a nossa ligação à palavra “Allah” não nos afasta da evocação de Deus através do recurso a outros belos nomes em língua árabe, também o nosso amor por essa palavra e pela língua árabe não nos deve incitar a alvitrar a antiga palavra portuguesa “Deus”, que, entre o legado de nomes divinos revelados ao ser humano, possui uma história única e ilustre. Do mesmo modo, a fidelidade ao uso da palavra “Allah” não deve levar os falantes das línguas persa e urdu a desacreditar a antiga palavra indo-europeia “Khoda” (Deus), que, tal como “Deus”, possui uma raiz monoteísta e que muitos escolásticos, místicos, poetas e historiadores consideraram perfeitamente adequada durante mais de um milhar de anos. (1)

Ao usarmos a língua portuguesa (ou inglesa, ou francesa, etc.), façamo-la de forma inteligente, com respeito e reverência. O nosso testemunho de fé, traduzido de uma forma concisa e eficaz, é o seguinte:

“Não há outra divindade além de Deus e Muhammad é o Mensageiro de Deus”.

Ainda assim, há quem opte por traduzir todas as palavras à excepção da mais importante: “Não existe deus para além de Allah…”. Esta tradução parcial tem tendência a criar barreiras injustificadas para o não-muçulmano que a escuta, induzindo a uma panóplia de conotações negativas. Para além do mais, este tipo de tradução torna indispensável uma explicação mais profunda, para se tornar claro que Allah quer dizer Deus. Ainda assim, evitar o uso da palavra “Deus”, mesmo que seja com o objectivo de fazer este tipo de comentário, cria, sem qualquer necessidade, a impressão de que o uso da palavra “Deus” não é adequado.

Se Allah e Deus querem dizer o mesmo, cristãos e judeus têm razão para questionar a razão pela qual os muçulmanos evitam sistematicamente o uso da palavra portuguesa, preciosidade que tanto os judeus como os cristãos têm usado ao longo dos tempos, de forma perfeitamente apropriada, para traduzir os bíblicos Elohîm e Allah. E a verdade é que não podemos culpar ninguém, a não ser a nós próprios, pelo facto de, em resultado de um apego desapropriado à nossa língua sagrada, darmos a sensação de que, afinal, não veneramos o mesmo Deus, ou então de que o nosso Allah é superior ao Deus bíblico, o Deus de Abraão, Ismael, Isaac, Jacob, das tribos de Israel, Moisés, Jesus e de todos os outros Profetas (a paz esteja com eles).

O recurso à palavra “Deus” acentua a base comum que partilhamos com as outras tradições universais e Abraâmicas, convertendo-se num meio simples e convincente através do qual os muçulmanos podem intervir sobre os preconceitos relativos ao Alcorão, a fim de realçarem as semelhanças entre os credos. Evitar o uso da palavra “Deus” dissimula a nossa crença comum no Deus de Abraão e a continuidade que preservamos relativamente à tradição Abraâmica, que é essencial para a nossa fé. Temos de ultrapassar a nossa apreensão acerca da palavra “Deus”, devido ao valor intrínseco da palavra a nível histórico mas, também, porque o uso da mesma nos dá a capacidade de comunicar de uma forma significativa com os nossos vizinhos cristãos e judeus, para além de todos os outros falantes da língua portuguesa.

Nota:
(1). Khoda deriva de Hwa-Taw, palavra da antiga língua iraniana (Indo-Europeu) que significa “capaz” ou “poderoso”. Ou seja, “governante” e “Senhor”. É um nome majestático, que caracteriza Deus como uma entidade de omnipotência auto-suficiente. Ainda que a palavra inglesa “God” (Deus) e a palavra persa “Khoda” tenham ambas origem indo-europeia, parecendo ser cognatos, elas derivam, na verdade, de raízes distintas.

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